Caminhadas Lésbicas e a Fúria que não nos permite calar!

Primeiro, um pouco da história

Em Belo Horizonte a Associação Lésbica de Minas – ALEM, foi a coletiva responsável em 1998 por organizar a primeira I Parada do Orgulho LGBT em Minas Gerais.

Na Parada Gay as lésbicas tiveram por muitos anos um trio elétrico, depois passaram a marchar no chão, como a comissão de frente, com a intenção de chamar as mulheres a caminharem juntas.

No ano de 2005, percebendo a necessidade de dar voz, visibilidade e espaço para as pautas lésbicas, que acabavam sendo abafadas pelas demais, que dominavam as ruas e as capas de jornais, a ALEM, após uma reunião de planejamento anual, decidiu por entregar a organização da Parada Gay para o CELLOS/MG e a se dedicar exclusivamente à construção da 1ª Caminhada Lésbica que aconteceu em um sábado de julho de 2005, um dia antes da Parada Gay de BH.

De 2005 (1ª) a 2009 (5ª) a Caminhada Lésbica de Belo Horizonte se chamava Caminhada das Lésbicas e Simpatizantes de BH, e aconteceram no sábado anterior a Parada Gay, no mês de julho.

V Caminhada Lesbica

Em 2010 (6ª) passou a se chamar Caminhada das Lésbicas, Bissexuais e Simpatizantes de BH, ainda ocorrendo no sábado a tarde anterior a Parada Gay, em julho.

Em 2011 (7º), a Caminhada passou a acontecer no mês de agosto, uma forma de se tornar totalmente independente da Parada Gay e assim fortalecer o mês que dos Orgulho (19/08) e Visibilidade (29/08) Lésbica, tendo ocorrido na tarde de 27 de agosto, passando então a se chamar Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de BH.

Em 2011, com o encerramento das atividades da ALEM, a 11ª Caminhada das Lésbicas e Bissexuais de BH foi organizada por coletivos feministas, LGBT e mulheres independentes que decidiram, de maneira corajosa, não deixar morrer um ato tão importante.

Em 30 de agosto de 2019, a 15ª Caminhada das Lésbicas e Bissexuais de BH tomou as ruas de BH.


Segundo, a fúria

O breve resumo histórico feito desses quase 16 anos de luta, coragem, ousadia e negação de ficar nas sombras, que levou para as ruas mulheres que sempre defenderam sua independência para falarem por si, para exigirem e conquistarem respeito e visibilidade teve a intenção de declarar que estamos furiosas.

No “Verão Radical”, acampamento de verão organizado pela GARRa feminista esse mês de Janeiro, entre os dias 17 a 19, tivemos um painel para discutir a importância dos fortalecimento das Caminhadas Lésbicas do Brasil. Da discussão que se seguiu ficou cada dia mais evidente que as mulheres lésbicas não são nada na sociedade, as lésbicas são silenciadas constantemente, acusadas de transfobia, de bifobia e até mesmo de heterofobia por qualquer coisa que digam e não agrade, por todas as vezes que exigem serem ouvidas, vistas, respeitadas, cada vez que uma lésbica impõe um limite, ele é visto como agressivo, violento e fóbico!!!!

Em todo o mundo muitas Caminhadas, que sempre foram referência, estão perdendo sua identidade para agregar pautas que ignoram as vozes das lésbicas, que negam a sexualidade, a identidade política e social dessas mulheres.

Ver a história da Caminhada de BH, mesmo que resumida, deixa evidente a capacidade de mudança, diálogo, reconhecimento da importância de todas as mulheres que desejam somar, foram tantos temas, foram tantas cores, tantas canções, tantos gritos, tantas reuniões e meses dedicados ao Orgulho e a Visibilidade Lésbica, que acusar uma organização horizontal, independente e múltipla de ser perigosa e fóbica, é demonstrar o descaso com a história, o sangue, a vida e a voz das que foram expulsas de casa, mortas, estupradas, espancadas por amarem e decidirem priorizar suas vidas para outras mulheres.

Espaços que deveriam ser seguros, pois dizem ser para mulheres, além de calarem os pensamentos diversos, propõem boicotes a eventos e Caminhadas Lésbicas, enquanto alegam que o “seu protagonismo está na força da mulher sapatona” se negam ao diálogo, se negam a somar, preferem expulsões e ataques, usando da censura para manter o véu da “desconstrução” que não aceita diferenças, preferem marchar outras “caminhadas” a somar com a caminhada lésbica.

Esses locais usam da carência de atividades voltadas exclusivamente para mulheres, se nomeiam intolerantes a qualquer tipo de preconceito, mas impõem uma política de silêncio, perseguição e medo para aquelas que defendem que gênero é opressão, que a sexualidade está relacionada ao sexo e que lésbicas são mulheres que se relacionam afetivo/sexualmente exclusivamente com outras mulheres.

Sapatão se tornou uma palavra da moda, palavra essa que foi por anos um xingamento vulgar usado por aqueles que desejavam desmerecer as relações lésbicas, por isso, para tirar esse poder destruidor dessa palavra, as lésbicas a ressignificaram e a tornaram parte dos seus símbolos, entretanto, agora ela é usada como passe livre para fingir uma inclusão que exclui, virando quase um deboche com aquelas que têm sido colocadas no papel de opressoras apenas por não se submeterem a desonestidade agressiva dos que confundem (ou fingem confundir) gênero com sexo e têm tentado fazer das Caminhadas um palco para suas vaidades e fetiches, seja através de fofocas, ameaças veladas, negativa de diálogo, acusações sem provas ou cartas abertas repletas de rancor e sem nenhuma responsabilidade com as conseqüências dela.

Por isso estamos furiosas, porque nossa história não nos deixa mentir que SEMPRE tivemos como foco a libertação das mulheres, que SEMPRE estivemos abertas ao diálogo, que SEMPRE procuramos evoluir, mas é claro, sem perder a razão que colocou nas ruas a 1ª e a 15ª Caminhadas, que são o Orgulho e a Visibilidade das Mulheres Lésbicas.

Desta forma propomos que as mulheres se organizem, que estudem, que resgatem suas memórias e deixem de sentir culpa por serem quem são, como bem disse Audre Lorde “seu silêncio não o protegerá”, pelo contrário, ele dará a força necessária para que as pautas de ódio nos apaguem, nos torne ainda mais vulneráveis e que a nossa diversidade seja tratada como criminosa.

Há várias coletivas, há vários blogs sérios, há páginas e feministas dispostas a fazer com que a união entre mulheres, enquanto classe, seja uma realidade capaz de fazer a revolução que temos buscado, a revolução que fará com que a opressão do gênero não mais nos acorrente, permitindo com que sejamos livres, sejamos enfim humanizadas, sem que depilação, submissão, violência doméstica, maquiagem, salto alto e feminilidade sejam sinônimo de mulher.

Sejamos as donas dos nossos símbolos, sejamos aliança, união e resgate do amor entre mulheres que tem nos sendo usurpado pela falácia da rivalidade feminina, as Caminhadas Lésbicas são nossos espaços de luta, por isso devemos fortalecê-las, não apenas no dia em que irão sair nas ruas, mas em todos os dias do ano!

A programação do Verão Radical 2020 está no ar!

O evento está imperdível, temos 15 vagas disponíveis, a inscrição custa R$72 reais que serão para cobrir os custos de alimentação (café da manhã, almoço, lanche e janta), estadia e transporte (ida e volta do centro de BH até o sítio) durante os 3 dias.
Nós da GARRa feminista não iremos ter nenhum lucro com esse valor, estamos cobrando apenas o que iremos gastar com o acampamento.

O acampamento é para mulheres maiores de 18 anos, e por ser em um local afastado do centro urbano não iremos aceitar crianças, pois não podemos garantir 100% a segurança delas em um local afastado de hospitais.

Segue a nossa programação!

Programação

Sexta feira – 17 de Janeiro

18 horas – acolhimento

20 horas – apresentação da GARRa e do acampamento

21 horas – Confraternização

Sábado  – 18 de Janeiro

Manhã –

8 horas – café da manhã

9:15 horas – Origens do Patriarcado & História do feminismo radical.

11 horas – Almoço

14 horas – Oficina segurança Digital

17 horas – A importância do feminismo lésbico radical e do fortalecimento das Caminhadas lésbicas do país/ Lesbianismo político – o real debate

18 horas-  documentário Angry Wimmin e debate do filme.

20 horas – Janta/ confraternização

Domingo- 19 de Janeiro

Manhã –

8 horas- café da manhã

9:15 horas – Conjuntura brasileira e o feminismo radical no Brasil.

11 horas –  almoço

14 horas – rodas de conversa/palestras – escolha das participantes por enquete.

17 horas – fechamento/despedida

A inscrição pode ser feita pelo formulário: https://forms.gle/TDjHsPNSQcWJA2nb7

As vagas são limitadas!!!
Recadinhos – Iremos vender bons drinks durante as nossas confraternização e teremos uma lojinha para vender alguns produtos da GARRa, todo o dinheiro é para manter a coletiva funcionando e financiando as nossas ações! 😉
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Verão Radical – Acampamento de Verão feminista radical

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Vem aí o Acampamento de Verão da GARRa feminista!

Serão 3 dias de programação em um sítio na região metropolitana de Belo Horizonte!
Falaremos sobre feminismo radical em discussões com mais aprofundamento, iremos oferecer também oficinas e cine debate, além de confraternizações para nos conhecermos melhor! Vamos aproveitar o verão ao lado de feministas radicais, conhecendo mulheres, estudando juntas o movimento feminista e curtindo as férias!

O acampamento irá ocorrer nos dias 17, 18 e 19 de Janeiro, sendo que todas as mulheres inscritas irão dormir no local. Será disponibilizado alimentação (café da manhã, almoço, lanche e janta), além da acomodação e do transporte do Centro de Belo Horizonte até o sítio localizado na cidade de Rio Acima.
O sítio é uma casa ampla que possui quartos com beliches, camas de casal e solteiro disponíveis, há também a opção para quem quiser levar barraca e acampar, a casa tem 4 banheiros disponíveis para uso coletivo, cozinha e ambientes para que todas tenham conforto.

A inscrição para o Acampamento tem um custo de R$72 reais, onde esse valor é para cobrir a alimentação completa, estadia e transporte (ida e volta do centro de BH até o sítio) durante os 3 dias. Nós da GARRa feminista não iremos ter nenhum lucro com esse valor, estamos cobrando apenas o que iremos gastar com o acampamento.

O acampamento é para mulheres maiores de 18 anos, e por ser em um local afastado do centro urbano não iremos aceitar crianças, pois não podemos garantir 100% a segurança delas em um local afastado de hospitais.

A inscrição pode ser feita pelo formulário: https://forms.gle/TDjHsPNSQcWJA2nb7

As vagas são limitadas!!!
Recadinhos – Iremos vender bons drinks durante as nossas confraternização e teremos uma lojinha para vender alguns produtos da GARRa, todo o dinheiro é para manter a coletiva funcionando e financiando as nossas ações! 😉
Programação completa em breve, fiquem ligadas!

Estudar, Organizar, Lutar!

A luta lésbica é a luta do feminismo!

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A necessidade de se posicionar e afirmar em uma sociedade patriarcal, misógina e falocêntrica é parte da agenda feminista desde que as primeiras mulheres se negaram a cumprir o papel determinado para elas em razão do sexo com o qual nasceram, o feminino.

Para uma lésbica, a necessidade de ser posicionar e afirmar ganha um peso maior, porque além de terem nascido no sexo que é oprimido desde o primeiro choro, elas rompem com o ideal heteronormativo das relações construídas em torno da figura masculina.

As lésbicas vão de encontro com a estrutura que determina que o destino biológico das mulheres é nascer, ser filha, em seguida esposa, mãe e cuidadora, porque as mulheres que amam/desejam outras mulheres não pautam seus afetos de acordo com essa determinação limitadora.

Tanto que a perseguição às lésbicas é documentada desde os primeiros registros históricos, a exemplo das poesias de Safo que foram queimadas pelos monges copistas em 1073 por serem consideradas “obscenas”.

Em 1969, A escritora e teórica Betty Friedan, em um discurso para a National Organization for Women – Organização Nacional para as mulheres (NOW), a qual fundou, chamou as integrantes lésbicas da organização de Lavander Menace – Ameaça Lavanda, afirmando que elas manchavam a reputação do grupo, afastavam outras mulheres e desviavam a atenção de pautas mais importantes na luta pela igualdade.

Com essa situação, as feministas lésbicas decidiram fundar seus próprios grupos, para provar a importância de suas lutas e transformar o constrangimento em orgulho.

Dentre os grupos que nasceram desse rompimento está o que se denominou de Lavander Menace, que em 1970 interrompeu o Second Congress to Unite Women (organizado pelo NOW) apagando as luzes do local, tomando os microfones e distribuindo o manifesto “The Women Identified Women” que é considerado um marco no feminismo radical e o início do feminismo lésbico, ao afirmar, dentre outras coisas, que as lésbicas estavam na vanguarda da luta pela nossa libertação, tendo em vista que sua identificação com outras mulheres desafiava as definições de identidade feminina em termos de parceiros sexuais masculinos.

Em 1975, Adrienne Rich, escreveu

 “Antes que existisse ou pudesse existir qualquer classe de movimento feminista, existiam as lésbicas. Mulheres que amavam outras mulheres, que recusavam o comportamento esperado delas, que recusavam definir-se em relação aos homens. Aquelas mulheres, nossas antepassadas, milhares cujos nomes não conhecemos, foram torturadas e queimadas como bruxas, caluniadas em escritos religiosos, e mais tarde “científicos”,  retratadas na arte e na literatura como mulheres bizarras, amorais, destrutivas, decadentes. Por um longo tempo as lésbicas foram a personificação do mal feminino.”

Ser lésbica é mais que ser uma mulher que ama/deseja outras mulheres, é também priorizar todas nós e por esta razão ser alvo das mais levianas acusações, das mais cruéis perseguições, porque o instinto de uma mulher lésbica é defender, cuidar, lutar, se orgulhar e levantar as bandeiras de proteção à outras mulheres, essa atitude fere com tudo que o patriarcado espera de nós em sociedade.

Por isso o ataque, a censura, as mentiras e manipulações sempre tentam primeiro derrubar os grupos que priorizam mulheres, que colocam nas ruas Caminhadas Lésbicas e eventos exclusivamente para nós, porque priorizar meninas e mulheres é dizer não ao que o patriarcado impõe, é ir contra uma estrutura que vulgariza, desumaniza, estupra e violenta nossos corpos, pensamentos, desejos, sonhos e conquistas.

O Grupo Lésbico-Feminista foi fundado em São Paulo no ano de 1979, por mulheres que primeiro integraram o Grupo Somos de Afirmação Homossexual, que ao perceberem que as pautas lésbicas eram sempre invisibilizadas diante as pautas gays decidiram se fortalecer em uma coletiva própria. As que restaram desse grupo, que se desfez em meados de 1981, lançaram a cartilha ChanaComChana para arrecadar fundos, tendo sido expulsas do Ferros Bar que proibiu a sua venda, o que culminou no levante que ocorreu em 19/08/1983, data que desde então marca o Dia do Orgulho Lésbico.

O dia 29 de agosto, dia da Visibilidade Lésbica, foi proposto em 1996, no SENALE (hoje SENALESBI), com a intenção de registrar a existência lésbica, como também a necessidade de que o debate de lésbicas para lésbicas, da mesma forma a voz das lésbicas na sociedade civil fosse pontuada como fundamental para que mulheres desde sempre marginalizadas não fossem apagadas da história.

Por isso a GARRa FEMINISTA, fundada em Belo Horizonte, no ano de 2014, desde o seu nascimento tem como um dos seus principais objetivos não deixar que o Orgulho e a Visibilidade Lésbica sejam tratadas como pautas menores, uma vez que como Feministas Radicais o nosso foco é também a proteção, cuidado, segurança e educação das mulheres, para que possam entender sua importância na sociedade, tanto coletiva quanto individualmente.

Apesar de todos os ataques sofridos ao longo de 5 anos de estrada, é com força, determinação e desejo de libertar todas das opressões sofridas, que a GARRa, junto a outros coletivos, colocará nas ruas a 15ª Caminhada das Lésbicas e Bissexuais de Belo Horizonte, no dia 30/08/2019, porque sabemos que não há nada mais forte que uma mulher livre para amar, caminhar, falar, se posicionar e lutar.

8 de março – dia das mulheres trabalhadoras e a luta do feminismo radical.

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“Mulheres Unidas” – poster do coletivo See Red

Hoje é comemorado o dia de luta das mulheres trabalhadoras, um dia para se lembrar de todas que construíram a luta feminista e contribuíram para a melhora dos direitos trabalhistas, mas também um dia para ir às ruas e continuar a luta que essas mulheres começaram. Ir para as ruas em atos é mostrar que, durante todo o ano, estaremos presentes para barrar e resistir aos ataques da direita, que atingem as mulheres seja em sua aposentadoria, seja pela intensificação da divisão sexual do trabalho. A divisão sexual do trabalho separa e estabelece uma hierarquia entre homens e mulheres, intensificando a diferença social nos postos de trabalho (trabalho “de mulher e de homem”) e dando valores monetários e sociais maiores para o trabalho dito masculino,  precarizando, assim, os postos de trabalhos ocupados por mulheres.

Estamos há dois meses de um governo de direita que se utiliza de uma batalha moral identitária para atacar e desmoralizar a esquerda,  e, ao mesmo tempo, apresenta planos de precarização do trabalho, que irão atingir com mais força as mulheres trabalhadoras. As mulheres são o maior contingente de desempregados no país, motivo pelo qual elas procuram trabalhos informais e perigosos, sejam aliciadas para a prostituição e sofram diversos tipos de violência e estigmatização. Além disso, as mulheres são as responsáveis pelo cuidado materno e do lar, tendo uma maior carga de trabalho e stress mental que os homens.  Para combater esse governo, precisamos estar organizadas e preparadas para enfrentar cada ataque direcionado a nós, precisamos entender como a divisão sexual do trabalho se evidencia nessa conjuntura.

O feminismo radical nasceu dentro da esquerda no final da década de 60 e não há como fazê-lo de outra maneira, a militância tem de ser feita pela esquerda e com todas as dificuldades que apresenta, não há atalhos na luta, é através da formação de base e da prática feminista que conseguiremos alcançar nossos objetivos.  A prática é o critério da verdade, é atuando no dia a dia que saberemos quais são as lutas e os anseios das mulheres brasileiras e conseguiremos definir com clareza nossas batalhas e estratégias. As feministas radicais do Brasil precisam se organizar e fazer a luta coletiva e, colocar as mulheres no centro da luta, é fundamental para o avanço da esquerda no país.

Neste 8 de março de 2019 a GARRa sai mais uma vez às ruas em marcha, para pedir justiça pelas vítimas de Brumadinho, atingidas pelas mãos da criminosa Vale e manifestar-se contra a reforma da previdência do governo Bolsonaro que só irá ampliar as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade brasileira.  Lutamos também pela legalização do aborto e pela sua implementação de forma gratuita e segura em todo o SUS. O aborto ilegal segue sendo uma das principais causas de morte materna, uma evidência do controle patriarcal dos nossos corpos e a imposição da maternidade e da exploração da nossa capacidade reprodutiva.  Saímos em marcha para denunciar esse governo conservador e subserviente às pautas evangélicas, que declarou guerra às mulheres, querendo nos tomar o pouco que conquistamos!

Chamamos todas as feministas radicais do Brasil para juntarem-se conosco nessa luta, por um projeto feminista radical para todas as mulheres!

Nota de solidariedade e apoio às feministas radicais da Argentina.

Nosotras mujeres de la Grupa Ação e Resistência Radical Feminista demostramos nuestra solidaridad y apoyo a las compañeras de la agrupación F.R.I.A (Feministas Radicales Independientes de Argentina) y de la agrupación RadAr feminisnta por los recientes ataques sufridos en el 15 de febrero durante una asamblea para organizar el paro mundial del 8 de marzo, organizada por el movimiento Ni Una a Menos.

Hubo censura a las compañeras, a quienes impidieron de hablar sobre el abolicionismo de la prostitución durante la asamblea, lo que hiere su libertad de expresión y hace imposible el debate. También ocurrieron agresiones por parte de una persona trans que estaba presente en la asamblea.

Estas acciones, la censura y el impedimiento de la participación en espacios de construcción feminista no es algo nuevo para nosotras, feministas radicales brasileñas, tampoco para las feministas radicales alrededor del mundo. Nosotras de GARRa hemos sufrido muchos ataques en espacios dichos feministas en estos 5 años de existencia.

El feminismo se ha rechazado a discutir los asuntos más importantes para la vida de las mujeres, y las voces que van en contra al feminismo mainstream son silenciadas y depreciadas. Pero las feministas radicales y las feministas abolicionistas no serán calladas: seguiremos hablando de la relación íntima entre prostitución y la trata de mujeres y niños, y de cómo los proxenetas están infiltrados en el movimiento feminista.

Hay que ocupar siempre todos los espacios y luchar para que las voces de las mujeres que en realidad luchan por la liberación de todas las mujeres, y que hacen el verdadero feminismo, el feminismo no modificado, sean escuchadas.

No nos callaremos!


 

Nós mulheres da Grupa Ação e Resistência Radical Feminista expressamos nossa solidariedade e apoio às companheiras da coletiva FRIA (Feministas radicais independentes da Argentina) e da coletiva Radar Feminista pelos recentes ataques sofridos em 15 de fevereiro, durante a assembléia da organização  Ni una a Menos. As companheiras foram censuradas e impedidas de falar sobre o abolicionismo da prostituição durante a assembléia, o que fere sua liberdade de expressão e impossibilita o debate. Além disso, sofreram agressão física de uma pessoa trans presente na reunião.

Esse tipo de ação, a censura e o impedimento de participação em espaços de construção feminista, não é novidade para nós, feministas radicais brasileiras e nem para as feministas radicais que estão espalhadas pelo mundo. A GARRa por várias vezes, durante seus quase 5 anos de existência, tem sofrido ataques em espaços que se dizem feministas.

O feminismo tem se recusado a debater os assuntos mais importantes para a vida das mulheres, como a questão da prostituição, e as vozes que não estão de acordo com o feminismo mainstream são silenciadas e vilipendiadas. Mas as feministas radicais e as feministas abolicionistas não serão caladas: continuaremos a falar sobre a relação íntima entre prostituição e tráfico de mulheres e crianças, e como os cafetões estão infiltrados no movimento feminista.

Devemos sempre ocupar todos os espaços e lutar para que as vozes das mulheres que realmente lutam pela libertação de todas as mulheres, e que fazem o verdadeiro feminismo, o feminismo não modificado, sejam ouvidas!

Não nos calaremos!

Separatismo: Quando e por quanto tempo?

Tradução de parte do capítulo 14 retirado do livro “Love and Politics – Radical feminist and Lesbian Theory” de Carol Anne Douglas por GARRa feminista

ARQUIVO EM PDF. 

A discussão dos objetivos, estratégias e táticas feministas deve lidar com a diferença entre aquelas que veem um movimento autônomo como uma estratégia, mas que favorecem a eventual união com os homens – e aquelas que veem o separatismo como objetivo.

Todas as feministas radicais e lésbicas favorecem algum grau de separatismo. Todas acreditam que grupos independentes e exclusivos para mulheres são necessários. As questões levantadas pelas separatistas lésbicas diz respeito a necessidade de separar-se dos homens em todas as áreas de convívio, se o separatismo é um objetivo permanente e, em que medida, as lésbicas escolherão trabalhar ou viver separadas de mulheres que se relacionam com homens.

Separatismo temporário

O grupo feminista radical Redstockings via como uma tática temporária a separação entre mulheres e homens. Barbara Leon escreveu um artigo intitulado “Separate to integrate” (“Separar para integrar”), no qual afirmou que na década de 1960, as feministas radicais assumiram que estivessem formando grupos políticos exclusivos para mulheres apenas para exigir que elas fossem inseridas na sociedade. Leon via mulheres que preferiam trabalhar e socializar apenas com as mulheres como um elemento reacionário.

Em uma irônica volta aos velhos tempos dos clubes de mulheres, muitos grupos femininos começaram a ser vistos como fins em si mesmos – lugares para se socializar, fazer amigas e de crescimento pessoal.

Essa visão parece não apenas desconsiderar os interesses das lésbicas, mas também minimizar a necessidade de amizade sentida por todas as mulheres que estão mudando suas vidas para se tornarem feministas radicais.

Leon expande a posição do Redstockings que mulheres não devem formar grupos exclusivos femininos, exceto quando estão trabalhando em questões específicas relativas às mulheres.

A formação de grupos exclusivamente femininos em questões que não sejam os direitos das mulheres e a sua libertação é reacionária. Ele se enquadra nos projetos da supremacia masculina para manter as mulheres segregadas, excluídas e “em seu lugar”. Somente se o propósito declarado de um grupo de mulheres for lutar contra o rebaixamento para uma posição e um status separados, ou seja, para lutar pela libertação das mulheres, só então um grupo separatista adquire um propósito revolucionário e não-reacionário.

Esse posicionamento aponta os perigos de ser do gueto, mas não reconhece que as mulheres que se juntam para trabalhar na resolução de suas pautas talvez desejem continuar trabalhando em conjunto – e podem ser mais eficazes se elas estiverem juntas – em outros tópicos.

É verdade que, na década de 1960, as feministas radicais visavam a integração das mulheres e dos homens como a solução. Até mesmo a militante Ti-Grace Atkinson assumiu que, eventualmente, mulheres e homens provavelmente seriam complementares, embora ela tenha qualificado esse ponto.

Uma separatista, tecnicamente, é alguém que defende um estado separado para um grupo particular de pessoas. Eu nunca fiz isso – ainda.

Atkinson criticou fortemente o “nacionalismo” feminino como tático e irrealista, e disse que o nacionalismo prejudicava o movimento negro.

Os limites entre objetivos e táticas nem sempre são claros. O objetivo da mulher pode ser a tática de outra mulher. Uma comunidade exclusiva de mulheres, por exemplo, pode ser um objetivo para algumas mulheres e uma tática para outras. Ou pode ser um objetivo de longo alcance para algumas e um objetivo de curto alcance para outras. Embora essas mulheres possam trabalhar juntas, pode haver conflito se uma mulher valorizar um projeto como um fim em si mesmo, de modo que outra veja mais como um meio para um fim.

Perspectiva lésbica sobre o separatismo

A declaração separatista lésbica mais antiga pode ter vindo de Spectre, em 1971 e 1972, da cidade de Ann arbor no Michigan, que publicava o jornal. Em Washigton, com base em DC, as Furies começaram pouco depois, e publicaram o jornal por conta própria.

A questão do separatismo lésbico tem sido discutida quase desde que a ideia de uma política feminista lésbica foi formulada pela primeira vez. Algumas lésbicas usaram o termo “separatismo” para significar a maior separação possível dos homens; outras também o usaram para significar separatismo de mulheres que não são lésbicas. Enquanto umas acreditam que é preferível evitar os problemas de atitude anti-lésbica nas feministas heterossexuais trabalhando apenas com lésbicas, outras sentiram que tinham que deixar o movimento feminista e marcar um novo movimento próprio.

Ginny Berson, membra do Furies, escreveu:

As lésbicas devem sair do movimento das mulheres heterossexuais e formar seu próprio movimento para serem levadas a sério, para impedir que as mulheres nos oprimam e para forçar mulheres heterossexuais a lidarem com seu próprio lesbianismo.

No entanto, as feministas lésbicas muitas vezes têm sido ambivalentes quanto ao separatismo. Em “Take a Lesbian to Lunch“, Rita Mae Brown escreveu:

Este é um apelo ao movimento separatista de lésbicas? Sim e não. Não, porque não quero ficar separada de nenhuma mulher… Sim, porque até que as mulheres heterossexuais tratem lésbicas como seres humanos…Não tenho opção…

Brown expressou ambivalência não só sobre o separatismo lésbico como uma tática, mas também sobre o separatismo dos homens.

O separatismo é o que o homem rico e branco quer: homem vs. mulher;  negro vs. branco; gay vs. hétero ; pobre vs. rico. Eu não quero me separar de ninguém – isso apenas mantém O Grande Homem em cima de todos nós. Mas eu não posso trabalhar com pessoas que me degradam, não lidam com comportamentos que são destrutivos para mim e que não compartilham seus privilégios. O que eu quero é o separatismo. Só podemos alcançar mudanças reformistas para o nosso subgrupo se permanecemos separatistas.

No “futuro do separatismo feminino”, um artigo de 19757 em Quest: A Feminist Quarterly, Lucia Valeska, que mais tarde presidiu a National Gay Task Force (agora National Gay and Lesbian Task Force), criticou o separatismo.

Uma das lições mais difíceis para as feministas lésbicas aceitarem é que existem algumas feministas heterossexuais que estão fazendo uma contribuição mais vital para as mulheres do que algumas lésbicas… Houve uma percepção conjunta de que não é a heterossexualidade per se que deve ser conquistada, mas a base ideológica e material de apoio que dá à supremacia masculina… [a] análise feminista lésbica….  não insiste em que todas as mulheres se tornem lésbicas. Escolher um caminho diferente não é admitir a derrota. Na sua forma mais pura, o separatismo não funciona porque você não pode se cortar de todas as fontes de poder e sobreviver… Mas também é perigoso negar a força da análise inicial e se mover do outro jeito – em uma posição anti-separatista.

Lucia Valeska diz que o separatismo ajuda as lésbicas a criar um senso de identidade, mas não é a única tática a ser usada na mudança social. Nem todas as mudanças, ela acredita, podem ser melhoradas através do separatismo. Mesmo que veja o separatismo como uma tática e não como um objetivo, ela vê isso como uma tática de longo prazo.

Para acabar com o separatismo, devemos acabar com suas causas… Independentemente da sua opinião, o separatismo feminino tem um futuro tão longo e viável quanto a supremacia masculina. Esse é um longo caminho à frente.

Algumas lésbicas têm ainda mais críticas contra o separatismo integral, tanto por motivos táticos como com um sentimento de empatia com outras mulheres. Rita Laporte escreveu no início da década de 1970:

Como lésbica, tenho medo especialmente de uma separação entre mulheres heterossexuais e lésbicas. Não só as lésbicas são odiadas e temidas pela maioria das mulheres, mas muitas lésbicas não cedem amor as suas irmãs heterossexuais…

Não consigo ver lésbicas ou mulheres heterossexuais sozinhas, conseguindo a revolução para uma maior humanidade em todas as pessoas.

A escritora lésbica e feminista, Adrienne Rich, também expressou suas preocupações com o separatismo. Em um artigo de 1977 em Sinister Wisdom, ela escreveu:

… Algumas lésbicas se retiraram ou foram forçadas a um enclave não-feminista que rejeita ou denigre mulheres “heterossexuais”.

Para Rich, o termo “separatismo” enfatiza a negação.

Seria mais fácil para alguns se todas as lésbicas pudessem ser rotuladas de “separatistas”, o que implica que nossas políticas e auto-definições procedem primeiro por ódio e rejeição de outros (homens ou mulheres heterossexuais). Seria mais fácil, mas destrutivo para o feminismo e uma negação da nossa complexidade. Nós constantemente nos perguntamos se estamos mais preocupadas com o que estamos dizendo “não” do que com o “sim” que estamos dizendo a nós mesmas e a outras mulheres.

Algumas mulheres negras criticaram o separatismo, tanto como objetivo, como tática. Apesar de existem separatistas lésbicas negras, poucas que são escritoras que se identificam como tal. As exceções são Anna Lee, colaboradora de algumas publicações voltadas para o público lésbico e Vivienne Llouise, que escreveu “Off your backs” que ela está trabalhando para “criar uma nação lésbica autossuficiente”. Anna Lee escreve:

Eu reivindico e afirmo sob tremenda pressão tudo de quem sou é uma lésbica negra separatista. Para dizer isso, coloco-me em conflito com cada um dos grupos do qual eu poderia razoavelmente esperar apoio, proteção e sustento.

Meias dúzias de lésbicas negras contribuíram para a antologia lésbica separatista For Lesbians Only.

Nesse livro, Naomi Little Bear Morena expõe em um ensaio a pressão que lésbicas brancas fazem para que ela assuma um papel que não gostaria.

Olha, eu quero fazer C.R¹ e sair como uma latina e orgulhosa, você sabe, ficar desapontada e irritada com a verdade sobre o macho latino no bairro loco, e eu quero um adesivo e um botton escrito “a mãe natureza é uma lésbica”. Bem, esqueça essa merda. Aqui está o seu roteiro e como se lê, irmã: “mulheres de cor conhecem Karl Marx, mulheres de cor se tornam politicamente corretas, mulheres de cor decidem quem boicotar e chamar de racista na comunidade.

Em uma nota diferente sobre separatismo e etnia, a antologia também inclui um ensaio de Naomi Dykestein, que diz que sua identidade judaica está relacionada com seu separatismo lésbico.

É verdade: separatistas são barulhentas, raivosas, insistentes, intransigentes, irritantes e desagradáveis – nós não nos calamos e não somos “mulheres educadas”. Mas essas “críticas” soam desconfortavelmente familiares – são as mesmas queixas feitas sobre os judeus em geral e a mulher feminina judaica em particular. Não há coincidência, penso eu, considerando a grande porcentagem de separatistas lésbicas que são judias – o que é algo mais que eu tenho que perceber que não é coincidência. Nós viemos de uma herança de separatismo – tem sido uma das principais formas pelas quais meu povo sobreviveu e é uma parte essencial de nossa(s) cultura(s).

Críticas ao separatismo

As mulheres de cor geralmente veem qualquer variante de separatismo – tanto sexual quanto racial – como uma forma de coerção que as obriga a separar ou até mesmo desistir de sua identidade própria. Muitas declararam a vontade de ser e agir enquanto negras, pardas, amarelas, como mulheres ou como lésbicas.

Merle Woo escreve em sua “Letter to Ma” in This Bridge Called My Back

Ser uma feminista amarela significa ser uma ativista da comunidade e humanista. Isso não significa “separatismo”, seja privando-me de relações com não-asiáticos ou homens.

A feminista socialista porto-riquenha Juanita Ramos escreve em Compañeras: Latina Lesbians:

Depois de muitos anos de busca por “O” movimento onde todas as minhas facetas seriam aceitas, eu finalmente percebi que cada um desses movimentos [porto-riquenho, gay, feminista] não poderia, por si só, gerar o tipo de sociedade que asseguraria a eventual eliminação de todas as formas de opressão. Isto acontece porque cada um deles tenta forçar-nos a priorizar questões desta forma e daquela forma, para destacar algumas partes de nossa identidade à custa dos outros. Eu acredito que esses grupos devem interagir uns com os outros.

Em “black feminist statement” a coletiva do Combahee River condena o separatismo lésbico:

Também devemos questionar se o separatismo lésbico é uma análise e estratégia política adequada e progressista, mesmo para aqueles que o praticam, já que nega completamente qualquer fonte de opressão da mulher, com exceção a sexual, ignorando os fatos de classe e de raça.

Em “Across the Kitchen Table: A Sister-To-Sister Dialogue” de Barbara e Beverly Smith, Barbara Smith critica aqueles que praticam o separatismo como sua política única. Um das autoras da declaração do Combahee, ela sugere que o separatismo lésbico completo invoca a rejeição de questões que afetam muitas mulheres e formas de trabalho que poderiam inclui-las em maior número.

Raramente o separatismo está envolvido em promover mudanças políticas reais, de forma que afete as instituições da sociedade de maneira direta. Se você define certas questões do movimento como problemas de mulheres heterossexuais, por exemplo, os direitos reprodutivos e abuso de esterilização, então essas questões políticas/sexuais identificáveis são aquelas com as quais você não irá se preocupar. Percebemos como os separatistas em nossa área, ao invés de fazer organização política, muitas vezes fazem atos desarticulados. Por exemplo, eles podem chegar a uma reunião ou uma série de reuniões, depois seguir em frente… às vezes pensamos separatismo como a política sem uma prática.

Algumas feministas sugeriram que o separatismo lésbico envolve (necessariamente) ignorar raça e classe. Sara Bennet e Joan Gibbs escreveram:

…O separatismo lésbico ignora e relega a um status secundário a opressão de raça e classe, e anula a validade da luta compartilhada por mulheres e homens do terceiro mundo.

No entanto, um grupo separatista de lésbicas, as Furies, produziu o que provavelmente foi o primeiro conjunto de artigos sobre o funcionamento de classe entre feministas e lésbicas, que foram compiladas em “Class and Feminism“, um livro editado por Charlotte Bunch e Nancy Myron.

Cathy Mccandless, em seu ensaio no livreto Top Ranking, critica o separatismo no campo econômico.

Que alternativas econômicas nós fornecemos para as mulheres que realmente desejam cortar suas conexões com os homens ou (muito mais ao ponto, eu acho) com o próprio sistema patriarcal capitalista supremacista masculino branco? Migalhas preciosas… esse é o ponto crucial do verdadeiro separatismo lésbico.

Se o separatismo de alguma forma fosse disponibilizado a todas as mulheres que pudessem querê-lo, não haveria nenhuma objeção? Seria a mudança para o campo a única forma para um possível separatismo?

Mccandless prossegue:

O dinheiro pode lhe oferecer o privilégio da distância. Com o suficiente, é possível nunca mais colocar os olhos em um homem. É um luxo maravilhoso, ter controle sobre quem observar, mas vamos a realidade: para a maioria das mulheres, o dia-a-dia ainda envolve o contato pessoal com os homens, quer gostem ou não.

Ela não parece reconhecer que muitas mulheres fazem sacrifícios econômicos para viver ou trabalhar apenas com mulheres. Certamente, nem todas as separatistas são ricas. Algumas têm como origem a classe trabalhadora. A maioria das que tentam se separar economicamente dos homens deve desistir do privilégio potencial ou real de ganhar um salário alto.

Certamente é verdade que nem todas as mulheres podem se dar ao luxo de ir e viver no campo: muitas têm dependentes para sustentar, mas nem muitas mulheres pobres podem permitir-se tornarem-se ativistas políticas, se elas estiverem sobrecarregadas com uma dupla jornada de trabalho. Isso significa que não se deve ser uma ativista política, porque nem todas as mulheres podem ser? Não é mais apropriado dizer que o que uma mulher quer para si mesma – ativismo, oportunidade de trabalhar na arte, uma vida separada dos homens – ela deveria trabalhar para torná-la possível para outras que também gostariam disso?

As críticas do separatismo nem sempre reconhecem que existem graus de separatismo. Uma mulher pode ser separatista em sua vida pessoal e organizações políticas, mesmo que saiba que não pode sobreviver sem um trabalho que possa levá-la a um contato com homens. Ela ainda pode abster-se de dar qualquer parte de si mesma aos homens.

Em um artigo do Sinister Wisdom de 1981 “What Does Separatism Mean?”, Adrienne Rich debate a história do separatismo e questiona se – ou quando – ele é racista.

Eu me pergunto se talvez a verdadeira dúvida em questão não seja o separatismo em si, mas como, quando e com que tipo de identidade consciente é praticado e até que ponto qualquer ato de separatismo é mais do que um ato de se retirar da diferença daqueles cuja dor optamos por não se envolver.

Todas as feministas radicais são separatistas até certo ponto. Todas nós reconhecemos a importância de fazer pelo menos algum trabalho político independente dos homens. A maioria das lésbicas (dependendo de como definem seu separatismo) são separatistas no sentido de que não dormem ou se envolvem romanticamente com os homens. Entretanto, algumas separatistas levaram o separatismo ao ponto de criticar outras lésbicas por ocasionalmente ver seus pais ou irmãos. Eu suspeito que esse grau de separatismo seja relativamente incomum.

O separatismo que ignora a opressão de mulheres que não são lésbicas ou que rejeita mesmo as lésbicas que querem lidar com as outras opressões que enfrentam (como trabalhadores, pessoas de cor, etc.), claramente poderia ser criticado como imprudente.

Há uma diferença considerável entre dizer: “Não vou trabalhar perto de homens” e dizer que “Mulheres negras não deveriam trabalhar com os homens” – assim como existe diferença entre dizer: “Eu acredito que trabalhar com homens do terceiro mundo é importante” e dizer “ Qualquer mulher que não trabalhar com homens, mesmo que sejam do terceiro mundo, são racistas.”

Por outro lado, pode haver momentos em que é aceitável perguntar-se é moralmente ou politicamente obrigado a trabalhar para certos propósitos em projetos que podem estar indiretamente ligados.

Adrienne Rich questiona,

Como a decisão de trabalhar contra o Klan afetará a política e estratégia separatista lésbica? Essas mulheres têm uma escolha, como jovens lésbicas brancas na terra do sul, para se juntar ou não participar da atividade anti-Klan?

A urgência em uma situação pode determinar quando uma mulher decide alternar suas concepções políticas. Uma feminista poderia recusar ajuda a um homem que precisasse se esconder de pessoas que pudessem matá-lo por causa de sua raça ou etnia? Certamente que não.

No entanto, como Rich ressalta, o separatismo não foi criado simplesmente como uma política negativa, mas como uma afirmação do próprio grupo (oprimido).

Um ato do separatismo, de desconjuntar, também pode ser um ato de conexão. Um espaço exclusivamente feminino não é definível apenas como um espaço do qual todos os machos são excluídos.

O separatismo possui cunho radical apenas se o separatista pertence ao grupo oprimido. Homens brancos separatistas não poderiam formar um movimento progressista.

Muitos afro-americanos se definiram como nacionalistas negros (ou separatistas). Foi de onde as lésbicas tiveram a ideia. Embora seja claro que algumas feministas negras, insatisfeitas em trabalhar com grupos feministas e negros, decidiram formar alguns grupos que incluíssem apenas mulheres negras ou de origem pobre, não se definiam como separatistas. Muitas vezes, elas também trabalhavam em outros grupos que incluem mulheres brancas e / ou homens negros, e até mesmo homens brancos progressistas também.

Bell Hooks, uma feminista negra, critica todos os grupos de feminismo negro como separatista.

Algumas mulheres negras que tinham interesse na libertação das mulheres responderam ao racismo de mulheres brancas formando grupos separados de “feministas negras”. A resposta foi anti-revolucionária… Em vez de mulheres negras revidando a tentativa de classificá-las como um Outro, um elemento desconhecido e insondável, elas agiram como se fossem o Outro.

No entanto, a maioria das feministas negras apoia ou pertence a tais grupos e acredita que são progressistas e necessários.

Muitas das críticas ao separatismo lésbico integral mencionado nos anos 80 são semelhantes às críticas levantadas anteriormente por outras feministas radicais, como Brooke, por outas ex-separatistas, como Rita Mae Brown e aquelas que veem o separatismo como uma estratégia válida, mas parcial, como Lucia Valeska. Embora essas críticas anteriores não tenham sido focadas em raça, elas apontaram que a política separatista lésbica tinha poucas chances de atingir e organizar um movimento de libertação de mulheres.

As críticas ao separatismo às vezes servem como armadilhas: algumas feministas (incluindo lésbicas) acusam aquelas que não concordam com seu posicionamento sobre uma tática específica, de serem “separatistas” (e, portanto, supostamente obstrucionistas, na melhor das hipóteses, e racistas na pior). Às vezes, uma lésbica pode até criticar uma feminista heterossexual como “separatista” por querer que um evento seja só para mulheres, enquanto a lésbica, não.

AS TAREFAS DO FEMINISMO RADICAL BRASILEIRO APÓS O GOLPE

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As feministas radicais brasileiras têm tomado diferentes posicionamentos, e partido de diferentes entendimentos em relação aos processos políticos que temos vivido em nosso país. Algumas encontram-se ainda hoje reticentes em admitir que vivemos um golpe. Outras, demasiadamente influenciadas pelos discursos petistas, aceitam que foi um golpe mas concentram suas esperanças na ilusão de um novo governo de conciliação de classes liderado por Lula em 2018. Nós da GARRa Feminista buscamos com este texto ajudar a avançar na unidade entre as feministas radicais através da crítica, pois entendemos que, neste momento, é crucial elaborar consensos que nos permitam construir uma agenda conjunta de lutas e superar a fragmentação que tem fragilizado nosso campo, impossibilitando a construção de um projeto feminista radical para o Brasil. A análise que segue é o fruto de discussões que realizamos ao longo de cerca de dois anos, e que compartilhamos agora:

1 Precisamos primeiramente reconhecer que passamos por um golpe, e que esse golpe não foi apenas contra uma governante, um governo ou um partido. Foi um golpe contra a classe trabalhadora, como se revelou posteriormente com a agenda de cortes e reformas, e foi um golpe contra a classe das mulheres. Um golpe, ainda que um golpe parlamentar – ou golpe branco, como foi chamado por alguns – difere em muito de um golpe militar, mas não deixa de ser um golpe todavia, e também significa uma ruptura democrática com sérias implicações para populações exploradas e para os movimentos sociais. Deixemos de lado a discussão idealista sobre o que é ou não legítimo, que foi feita de maneira leviana por alguns partidos, ao se recusarem a chamar o governo Temer de ilegítimo, por considerar que os governos anteriores também o seriam por não representar verdadeiramente os interesses do povo. Consideremos a realidade de uma democracia capitalista: o que é legítimo é nada mais que o que foi legitimado. O processo eleitoral é o que legitima um governo e confere a este o direito de formular e aplicar políticas. Enquanto feministas radicais, não defendemos de nenhuma forma a via reformista, nem entendemos que é pela via eleitoral que a revolução que desejamos virá, mas entendemos que uma ruptura nesses processos de legitimação provocada pelos setores da direita, que representam as burguesias nacional e internacional, têm sérios impactos para o povo, e que as lutadoras e os lutadores do povo ficam enfraquecidos em sua capacidade de influenciar decisões e obter vitórias nas lutas pontuais quando não há garantia sequer que os próprios processos decisórios do estado serão cumpridos. Nesse sentido, reivindicar que foi sim um golpe assume uma importância política fundamental. Precisamos deixar registrado na história que o que vivemos foi e é um golpe, e construir as nossas lutas a partir disso daqui para frente.

2 Foi um golpe patriarcal. Não (só) por ter deposto uma presidenta mulher, mas por terem se colocado no poder setores políticos conservadores e supremacistas masculinos, ligados a organizações patriarcais como as igrejas. Verificamos isso pela própria agenda do golpe, de desmonte de conquistas feministas como a aposentadoria que reconhece a dupla jornada feminina decorrente da divisão sexual do trabalho, as “reformas” educacionais, o Estatuto da Família voltando a tramitar e a ameaça, agora mais forte, do risco Estatuto do Nascituro ser aprovado no jogo político entre setores diversos da direita, em que os direitos das mulheres viram moeda de troca. A precarização do trabalho e o aumento da informalidade afetam gravemente a condição das mulheres brasileiras, e somado à dificultação do acesso às políticas de assistência e previdência, resultam no aumento da população feminina em situação de prostituição e de rua, e o encarceramento das mulheres. Vimos também, com muito desgosto, o aspecto patriarcal do golpe revelado numa nova ascensão do primeiro-damismo nas figuras de Marcela Temer e Bia Dória, esposa do infame ex-prefeito de São Paulo, e mundialmente de Melania Trump.

3 Mais um ato do ataque dos setores da direita foi o julgamento do ex-presidente Lula e sua prisão. A forma com que todo o processo ocorreu, o tempo recorde de julgamento até a decisão do Supremo Tribunal Federal, com uma ameaça velada do general da ativa do exército, mostra um claro interesse em mantê-lo preso por sua possibilidade real de ser vencedor das eleições de 2018. Se há de fato uma culpa de Lula pelo que está sendo acusado, que se faça por um processo da maneira correta, com todas as instâncias, no tempo necessário e que as provas sejam apresentadas de maneira contundentes. E, assim como na questão do golpe, a parcialidade descarada com que o plano de prisão foi executado constitui uma ameaça contra os projetos da esquerda. A burguesia deixa claro que não está mais interessada na conciliação representada (e efetivada por mais de uma década) pela figura do ex-presidente, e que está determinada a eliminar qualquer oposição a seus interesses.

4 Não nos esquecemos, no entanto, dos erros graves dos governos PT. O apaziguamento dos movimentos sociais, a lei antiterrorismo, e a política econômica de juros elevados, que incorreu na dívida pública, estão agora sendo utilizados pelo governo da direita contra o povo, mas as raízes do que agora está sendo usado a atacar o povo surge da aliança do PT com setores da burguesia. Entendemos que os governos PT foram bem sucedidos em garantir avanços para a classe trabalhadora em um momento diferente do capitalismo, de crescimento e não de crise, que a escolha foi por uma política de conciliação de classes, que buscava aliar os interesses da burguesia e da classe trabalhadora, e que esta política não mais será possível daqui para frente. Não há saída fácil para esta crise, nem para a classe trabalhadora nem para a classe das mulheres. E muitas das dificuldades que enfrentamos agora está diretamente relacionada ao enfraquecimento da esquerda que ocorreu durante os governos PT.

5 A direita brasileira está fragmentada. Por um lado, isso fortalece pequenos grupos de extrema direita (neonazistas, fascistas, a “alt-right”), que se articulam mais e ficam mais ousados. Os recentes ataques com armas de fogo contra caravanas e acampamentos da esquerda mostram que esses grupos estão dispostos a ações mais violentas.

6 É preciso agora construir o novo projeto político de esquerda para o Brasil sobre os escombros do velho projeto político, e as feministas radicais não devem se ausentar dessa tarefa. Ainda que sejamos poucas em número, e que nossas organizações ainda não tenham atingido o estado que desejamos, não podemos nos refugiar no esquerdismo e no sectarismo, e formular políticas que nos pareçam moralmente corretas, mas sejam inaplicáveis, e nem formulá-las no isolamento, com base no idealismo. Precisamos estar em constante diálogo com outros movimentos, sendo influenciadas e também influenciando.

7 Um dos campos dessa disputa da direita é justamente o feminismo. Precisamos construir um feminismo radical, inequivocamente de esquerda, massivo, popular. A direita liberal avança, neste momento, nas chamadas “políticas de igualdade” e num projeto de capitalismo da diversidade e da inclusão. Nós, enquanto feministas radicais, rejeitamos as abordagens da igualdade, da diversidade e da inclusão, que têm sido terreno fértil para a desestruturação do feminismo a partir da sua inclusão no estado e no mercado. Somos incontestavelmente pela libertação das mulheres, e não aceitamos nada menos que isso.

8 Nós precisamos lembrar que o feminismo radical sempre será feito por mulheres e para mulheres. Entendemos que há muitas companheiras em organizações mistas e que há companheiros homens que entendem a importância do movimento feminista centrado em mulheres, mas precisamos também compreender que as organizações mistas não priorizam a luta das mulheres. No contexto do 1º de maio, o dia das trabalhadoras e trabalhadores, percebemos o esquecimento da divisão sexual do trabalho pelas organizações de esquerdas, com uma recusa da maioria em fazer o debate sobre o trabalho das mulheres ‘donas de casa’, que continua sendo um trabalho não assalariado e tratado como “apêndice do trabalho assalariado”, mas que é o resultado direto da opressão da classe das mulheres pela classe dos homens. É hora da esquerda efetivamente fazer o debate com o reconhecimento de que os homens trabalhadores também utilizam o trabalho doméstico não remunerado das mulheres para o benefício da classe masculina.

9 Precisamos entender que não há solução de curto prazo, nem para as mulheres nem para o povo brasileiro. Não tem acordão que nos salve. As pequenas conquistas garantidas pela via do ativismo não são mais uma possibilidade para os direitos das mulheres e nem voltarão a ser. Assim como não é possível um novo pacto social entre burguesia e proletariado, um pacto entre as classes dos homens e das mulheres não está em nosso horizonte. Não estamos vivendo em uma época progressista em relação a direitos humanos, pois é necessário intensificar a exploração das mulheres, inclusive a exploração reprodutiva, para garantir o lucro. É necessária uma militância organizada, vontade e coragem para massificar o movimento e mudar a correlação de forças, para retomar a luta em busca de vitórias e não mais apenas contra perdas. Diante de tudo que foi aqui exposto, embora nossa análise compreenda o papel desempenhado pela prisão de Lula no contexto de ataques contra a esquerda, não podemos fazer da exigência por sua liberdade a nossa máxima prioridade. Entendemos que não podemos perder de vista o caráter fundamentalmente patriarcal das ofensivas da direita e que precisamos sempre ter as mulheres no centro de nossa luta. As mulheres serão sempre a nossa prioridade, mesmo quando – ou principalmente quando – são esquecidas por outros setores da esquerda.

10 O cenário de ataques constantes e de declínio das conquistas traz um desânimo, uma desesperança e um cansaço que atuam para nos afastar das batalhas. Com as vitórias distantes no horizonte, precisamos recuperar a alegria na luta, em nos encontrarmos nas ruas, em estarmos juntas. Construir uma militância que dure o tempo necessário para massificar o movimento e mudar a correlação de forças.

À luta, companheiras! Por um projeto feminista e radical para o Brasil e para o mundo!